2004-05-07 00:00:00
ESCREVO COMO QUEM PINTA UM QUADRO ABSTRACTO
Vinte anos depois, Elvis Costello regressa a Portugal, para uma curta série de três concertos. Em entrevista exclusiva para Portugal, o músico prometeu satisfazer o apetite do público e não se escusou até a falar da importãncia de Diana Krall.
Reuters/Fred Prouser
Elvis Costello está de regresso a palcos portugueses vinte anos depois
Correio da Manhã – Porque é que, em 1975, mudou o seu nome, Declan Patrick MacManus, para Elvis Costello?
Elvis Costello – O meu empresário da altura achou que era importante eu ter um nome artístico, mais apelativo e que fosse fácil de fixar. Não há nada de misterioso ou de lógico nisso. É apenas um nome.
O ano passado foi nomeado para três Grammy e foi premiado com ‘I Still Have the Other Girl’. O que é que isso representou para si?
Lembra-me uma estranha corrida e eu não gosto de competir. Aliás, a arte não serve para competir mas para partilhar. Contudo, não posso ignorar que os Grammy de 2003 foram muito importantes para mim.
Porque foi lá que conheceu pessoalmente a sua actual esposa, Diana Krall?
Precisamente. Apesar de ter ganho o Grammy, comparado com o facto de a ter encontrado, isso teve pouca importância.
Foi paixão à primeira vista?
Não. De início a nossa relação não teve nada de romântico. Foi só amizade. Uma amizade que não parou de crescer e que, com o tempo, se transformou em algo de fantástico.
‘North’, o seu último disco, não traduz portanto esse amor...
Nem podia. Apesar de ter sido editado o ano passado, acabou de ser composto em 2002, pelo que ela não teve tempo de o influenciar.
Quer dizer que o seu próximo registo será menos melancólico?
Tudo indica que sim. Já estou a trabalhar nele e é provável que se venha a chamar ‘South’. A Diana está a ter uma grande influência no resultado, ao nível do sentimento e do encorajamento. As canções são mais leves e soltas.
Algumas pessoas reconhecem-no como um dos melhores escritores de canções a par de Bob Dylan. O que é que acha disso?
É um grande elogio, mas só posso dizer que Bob Dylan, tal como os Beatles ou Joni Mitchell, contribuíram para a minha formação musical e forma de escrever. Contudo, provavelmente, as minhas maiores influências foram o meu pai, que era músico, e a minha mãe, que trabalhava numa loja de música.
Por vezes, as suas canções parecem liricamente vagas.
Não diria vago mas diferente. Há muitas maneiras de escrever e a minha não é propriamente óbvia ou descritiva do meu carácter. Escrevo canções como quem pinta um quadro abstracto. As minhas letras, mesmo sendo obscuras, pretendem estimular a imaginação, sendo, muitas vezes, a própria música a sugerir o sentido das palavras.
O que podemos esperar dos seus três concertos em Portugal?
Não percebo muito bem porquê mas há mais de 20 anos que não toco em Portugal. Provavelmente porque o primeiro e único concerto que dei em Lisboa tenha tido tantos problemas. Contudo, espero que o público sinta as minhas canções como se fossem suas. Serão concertos calmos alternados com momentos intensos que irão percorrer alguns momentos da minha carreira. Vamos tocar temas de ‘North’ e apresentar outros do próximo disco. Também respondemos a pedidos do público e só espero que não me odeiem nem me insultem.
De certeza que isso não vai acontecer. Conhece alguma coisa da música portuguesa?
Gosto muito de Amália Rodrigues e de Dulce Pontes. Admiro-as pela simplicidade, pela força da voz, pela melancolia. Não percebo a língua mas entendo a profundidade do sentimento.
PERFIL
Elvis Costello nasceu em 1954, tendo-se estreado nas lides musicais em ‘77 com o álbum ‘My Aim Is True’. Seguiram-se mais 20 discos a solo ou acompanhado pelo grupo The Attractions. Ao longo de 27 anos de carreira aprofundou vários estilos, da country à soul, pop orquestral e rock’n’roll, imprimindo em todos um lirismo singular. ‘This Year’s Model’ (’78), ‘Blood and Chocolate’ (’86), ‘Mighty Like a Rose’ (’91), ‘Kojak Variety’ (’95) e ‘When I Was Cruel’ (’02), são alguns dos registos em que experimenta uma abrangente panóplia lírica e sonora. Costello compôs ainda para nomes como Paul McCartney, Brodsky Quartet, Burt Bacharach e Anne Sofie von Otten e para bandas sonoras como ‘Austin Powers: The Spy Who Shagged Me’, ‘Notting Hill’, e ‘Cold Mountain’.
José Manuel Simões
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http://jornal.publico.pt/publico/2004/0 ... TAM08.html
Elvis Costello
Sexta-feira, 07 de Maio de 2004
zero em humildade
%Eurico Monchique
Elvis Costello (como é conhecido Declan McManus) não é o que se pode chamar uma personagem simpática. Jogando muitas vezes por fora das regras da indústria, sorumbático, teimoso, irreverente, arrogante, enfim, estando-se nas tintas para o resto do mundo, não se inibiu assim de antagonizar jornalistas, colegas de profissão, produtores e outros técnicos. A sua misantropia só não o impediu de se manter fiel a uma carreira que conseguiu conciliar a diversidade estética com uma qualidade média elevada - e como tal foi recompensado com o sucessivo surgimento de novas audiências.
Passados os inícios da "new wave" com os Attractions, e os anos 80 da luxuriante pop orquestral, tem-se dedicado nos últimos anos à canção clássica (com outro mestre, Burt Bacharach), a bandas sonoras, a adaptações para música de câmara (Brodsky Quartet) e, principalmente, ao jazz. Paralelamente, foi abandonando as vinhetas de crítica social (como o poderoso lamento anti-Thatcher, "Shipbuilding") e dedicando mais atenção aos relacionamentos amorosos. Pode, aliás, seguir-se o percurso entre as suas companheiras e suas musas e a sua música. Nos anos 80/90, casado com Cait O'Riordan, ex-baixista dos Pogues, avançou por vezes pela vertente mais celta e folk. Agora, casado com a cantora e pianista Diana Krall, volta-se para o jazz - seis dos temas do último álbum de Krall, "The Girl In The Other Room", foram co-compostos por Costello.
Num ano balizado por apresentações com orquestras e a gravação de um novo álbum com banda no Outono, o trovador desconcertante faz uma pequena digressão por Itália e Portugal. Os concertos de hoje, amanhã e depois (Porto, Lisboa e Figueira da Foz, respectivamente) serão essencialmente preenchidos pelas baladas para piano do álbum de 2003, "North", e as peças de cariz jazzístico do novo álbum. No palco, Costello conta com a cumplicidade do pianista Steve Nieve. E com a paciência do público que, oferecendo um silêncio e atenção desmesuradas, recebe uma voz rugosa e resmungona, uma paleta de sons de um dos maiores compositores do século XX, e visitas guiadas a lugares e personagens de um imaginário por vezes sujo, por vezes radioso. Mas sempre intrigante.
ELVIS COSTELLO
sexta, 7, PORTO. Coliseu do Porto. Rua Passos Manuel, 137. Às 21h30 (portas abrem às 20h30). Tel.: 223394947. Bilhetes: 40 euros (cadeiras de orquestra); 32,5 euros (1ª plateia e tribuna); 30 euros (2ª plateia); 25 euros (camarote 1ª e frisas).
sáb., 8 LISBOA. Coliseu dos Recreios. R. Portas Santo Antão, 96. Às 21h30 (portas abrem às 20h30). Tel.: 213240580. Bilhetes: 40 euros (cadeiras de orquestra); 35 euros (1ª plateia); 30 euros (2ª plateia); 27,5 euros (balcão); 20 euros (galeria). Camarotes: 125 euros e 165 euros.
dom., 9 FIGUEIRA DA FOZ. Centro de Artes e Espectáculos. Rua Abade Pedro. Às 22h00. Tel.: 233407200. Bilhetes: 40 euros.